A revolução no setor automotivo brasileiro ganhou um novo capítulo, e desta vez, com direito a metáfora de extinção. A fabricante chinesa BYD respondeu de forma contundente à carta enviada pelas quatro gigantes da indústria nacional (Toyota, Volkswagen, General Motors e Stellantis) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 15 de julho.
No documento, as montadoras pedem que o governo interrompa a concessão de incentivos fiscais à importação de veículos semimontados (SKD) ou completamente desmontados (CKD), prática adotada por empresas em início de produção local. Na prática, a crítica tem endereço certo: a BYD.
Em uma resposta afiada e direta, a marca chinesa expôs o que chama de “reação desesperada dos dinossauros da indústria” diante da chegada de uma concorrente que entrega mais tecnologia por menos dinheiro. “O problema não é o meteoro. O problema é que ele está sendo bem recebido pelos consumidores”, alfineta a montadora.
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A carta original das quatro fabricantes levantou preocupações com a suposta “concorrência desleal” promovida pela importação de kits de montagem com isenção parcial de tributos. A alegação das montadoras é que essa estratégia enfraquece a indústria instalada e pode gerar demissões, fechamento de fábricas e impacto na balança comercial. A resposta da BYD rebate esse argumento com números e contexto.
Segundo a montadora chinesa, o que realmente incomoda as concorrentes não é a estrutura tributária, mas o fato de que uma nova marca chegou “jogando o jogo e ganhando”. A marca destaca que a redução de preços observada recentemente em modelos elétricos de outras marcas foi motivada unicamente pela pressão do mercado gerada por sua própria chegada. “Por que antes custava tanto?”, questiona a resposta.
A BYD lembra que o modelo de importação via CKD/SKD com posterior nacionalização da produção já foi adotado por outras montadoras no Brasil e que sua instalação em Camaçari (BA) segue exatamente esse cronograma.
A fábrica, localizada onde antes operava uma planta da Ford, está em fase final da primeira etapa, com galpão de montagem já maior do que metade da antiga estrutura. Segundo a empresa, não houve nenhuma mudança de planos ou “atalho”, e todo o processo está dentro dos termos firmados com o governo estadual e federal.
O governo federal ainda não se posicionou oficialmente sobre a carta das montadoras ou a resposta da BYD. O presidente Lula, que visitou pessoalmente as obras da BYD na Bahia em 2023, já declarou publicamente apoio à atração de investimentos estrangeiros e ao fortalecimento da mobilidade elétrica.
Confira a resposta da BYD na íntegra:
Por que a BYD incomoda tanto?
Empresa que trouxe carros tecnológicos, sustentáveis e mais acessíveis é atacada por concorrentes obsoletos
Dizem que o futuro chega de repente. Mas, às vezes, o que chega de repente é o e-mail. O da vez foi uma carta enviada por quatro das maiores montadoras brasileiras ao Presidente da República, implorando para ele abortar a inovação. É isso mesmo: pedem, com todas as letras, que o governo impeça a redução temporária dos impostos para quem ousa oferecer carros melhores por um preço mais justo.
Assinada por representantes da Toyota, Stellantis, Volkswagen e General Motors, a carta tem o tom dramático de quem acaba de ver um meteoro no céu. O problema não é o meteoro, claro. O problema é que ele está sendo bem recebido pelos consumidores — aqueles mesmos que, por décadas, foram obrigados a pagar caro por tecnologia velha e design preguiçoso.
Agora, chega uma empresa chinesa que acelera fábrica, baixa preço e coloca carro elétrico na garagem da classe média, e os dinossauros surtam. Não foi por acaso que uma concorrente reduziu o valor de um modelo elétrico em mais de 100 mil reais depois da chegada da BYD. Por que antes custava tanto?
A carta fala em “concorrência desleal”. Porque nada é mais desleal do que alguém jogar o jogo — e ganhar. Nada mais injusto do que montar um carro no Brasil sob o regime autorizado pelo governo, com data marcada para nacionalizar a produção, e ainda assim entregar um produto que as “locais” não conseguem nem sonhar em oferecer.
A reação da Anfavea e seus associados, infelizmente, não é novidade. Trata-se do velho roteiro de sempre: diante de qualquer sinal de abertura de mercado ou inovação, surgem as ameaças de demissões em massa, fechamento de fábricas e o fim do mundo como conhecemos. É uma espécie de chantagem emocional com verniz corporativo, repetida há décadas pelos barões da indústria para proteger um modelo de negócio que deixou o consumidor brasileiro como último da fila da modernidade.
A ironia é que enquanto as cartas se empilham em Brasília, os consumidores já tomaram sua decisão. Basta olhar os comentários nas redes sociais da própria Anfavea: “Lutar por carro mais barato vocês não lutam, agora querem nosso apoio pra que?”. Ou ainda: “Sempre vou dizer o seguinte: se a Anfavea está tão incomodada, é porque o outro lado vale a pena”. Os brasileiros querem andar para frente e não seguir em marcha a ré.
A redução temporária de imposto que a BYD pleiteia segue uma lógica simples e razoável: não faz sentido aplicar o mesmo nível de tributação sobre veículos 100% prontos trazidos do exterior e sobre veículos que são montados no Brasil, com geração de empregos locais, movimentação da cadeia logística e pagamento de encargos. Isso não é nenhuma novidade, outras montadoras já adotaram a mesma prática antes de ter a produção completa local. E a BYD está fazendo isso.
Em menos de um ano e meio, já está finalizando a primeira etapa das obras da fábrica em Camaçari (BA), no mesmo local onde outra montadora, que também era tradicional, desistiu do Brasil. Apenas o galpão de montagem final já é mais do que a metade do tamanho da antiga fábrica inteira. E o contrato com o Governo da Bahia já previa essa fase inicial de montagem enquanto o restante da estrutura é finalizado. Nada foi alterado. Tudo dentro do planejamento desde o começo.
O incômodo das concorrentes não tem a ver com impostos, nem com montagem, nem com empregos. Tem a ver com a perda de protagonismo. Com o fato de que um novo player chegou oferecendo mais e cobrando menos. Com o fato de que a tecnologia finalmente deixou de ser um luxo para poucos e virou realidade para muitos.
O que a BYD propõe ao Brasil não é um atalho nem uma esperteza fiscal. É uma visão de futuro com veículos mais limpos, mais seguros, mais conectados e com custo-benefício justo. Ajudar o Brasil a acelerar essa transição é um movimento estratégico não só para a marca, mas para o país.
O Presidente deveria ouvir essas cartas — e usá-las como prova de que está no caminho certo. Porque se os dinossauros estão gritando, é sinal de que o meteoro está funcionando.